sábado, 3 de março de 2012

AS PRIMEIRAS CARTAS DA FRANÇA

Lâmina de xilogravura de um baralho francês do século XV


O mais antigo documento conservado sobre as cartas é uma lei de Lille (uma antiga cidade amuralhada situada ao norte da França, perto da atual fronteira com Bélgica) de 1382, que diz: "De non jouer as dez, as taules (au jeu de dames), as quartes, ni a nul aultre jeu. Que nuls me soit si hardis uns ne aultres quelz que il soit qui depuis maintenant en avant  en ceste ville, jueches, de jour ne de nuiet, as dez, as taules, as quartas, ne a nul autre jeu quelconques" (Não jogar os dados, as damas, as cartas e nenhum outro tipo de jogo. Que ninguém seja tão atrevido, quem quer que seja, desde hoje em diante, nesta cidade, em jogar durante o dia ou de noite, com dados, damas, cartas, ou qualquer outro tipo de jogo").
Essa proibição de jogo, que incluía os jogos de cartas, deveu-se, principalmente, ao mau comportamento dos soldados, pois passavam a noite jogando e não conseguiam trabalhar no dia seguinte. No entanto, a proibição do jogo não evitou a derrota dos soldados do rei Carlos VI da França em Azincourt e em outras batalhas. As primeiras cartas utilizadas na França para o Jogo foram as dos baralhos italiano, espanhol, alemão, além das do tarô.

HIRE, HERÓI E CAVALEIRO

Etienne de Vignolles, conhecido como La Hire (também conhecido como Lahire), foi um cavaleiro gascão nascido por volta de 1390. Combateu junto a Joana D'Are (1429) e venceu os ingleses em Gerberoy (1435), expulsando-os da região de Caux. No entanto, foi derrotado em Ruen (1437) e Harfleur (1440). Mais tarde, acompanhou Carlos VII a Guyena, morrendo nessa mesma batalha (Montauban, 1443).
Existem muitas lendas sobre La Hire, algumas das quais demonstram a sua prepotência: "Em uma manhã de 1427, antes de uma batalha contra os ingleses, cuja previsão era de derrota para os franceses. La Hire, que comandava essas tropas, temendo por sua alma foi à capela em busca da absolvição dos seus pecados. O capelão disse-lhe que deveria se confessar primeiro. La Hire respondeu-lhe que não tinha tempo, mas o capelão insistiu.
La Hire afirmou que havia cometido todos os pecados que um soldado poderia cometer. O capelão, percebendo que o tempo se acabava, decidiu dar-lhe absolvição em troca de uma oração. La Hire se ajoelhou e disse as seguintes palavras: "Deus, rogo que hoje faças por La Hire todas as coisas que quiseras que La Hire fizesse por vós se La Hire fosse Deus e vós fosseis La Hire". A crônica assinala que La Hire ficou convencido de que havia rezado com grande respeito e sem nenhuma intenção de ser arrogante. Outra lenda trata do seu interesse pelas cartas: "Cavalgando um dia com o seu companheiro Pothon de Xaintralles, La Hire disse-lhe: "Amanhã lutaremos contra os ingleses. São tantos os seus arqueiros que suas flechas ocultarão o sol". Pothon respondeu: "Melhor ainda, nous combatterons a l'ombre" (que literalmente significa "lutaremos à sombra", fazendo um jogo de palavras com "jogaremos ao homem", o antigo jogo de cartas)". La Hire aparece no baralho francês como a sota de copas.


A DIFUSÃO DO BARALHO FRANCÊS


A tradição atribui a este gentil homem aventureiro a invenção do baralho francês a partir do baralho alemão: copas e espadas foram inspirados diretamente neste (corações e folhas, apesar das folhas serem dispostas em outro sentido), os paus seriam uma adaptação das bolotas e os ouros figurariam como a única idéia original. Estes outros - carreau - estariam baseados nas lajotas usadas entre os séculos XII e XV para o chão das igrejas. Também atribui-se a La Hire a invenção do jogo de piquet.
Outra inovação do "novo" baralho francês foi a coloração dos naipes: espadas e paus de cor preta e copas e ouros de cor vermelha, o qual favorecia a identificação dos naipes franceses frente a outros baralhos e a sua rápida expansão por toda a Europa, já que eram consideravelmente mais fáceis e rápidos de se fabricar.


O AUGE DOS FABRICANTES DE CARTAS FRANCESES


Na França, o artesanato e o comércio estavam, como nos demais países da Europa, sujeitos a um grande número de ordens e regulamentações. Entretanto, até o ano de 1583 não houve na França nenhuma regulamentação nem impostos sobre a fabricação ou vendo das cartas. Devido a essa liberdade, produziu-se na França uma verdadeira idade de ouro da fabricação de cartas durante a segunda metade do século XV e o século XVI.
Um edital do rei Henrique III, datado de 22 de maio de 1583, tratou de acabar com essa situação. Desde o preâmbulo até o valor estabelecido como imposto (un sous parisis por um baralho normal e 2 por um de tarô), o edital proclama que a sua intenção não é de arrecadar, mas de dissuadir.
O objetivo principal era acabar com a fabricação e o comércio das cartas porque o jogo era motivo de todo tipo de "blasfêmias", brigas, assassinatos, roubos, negligência dos deveres religiosos...". Isso significa que as cartas eram consideradas fonte de todos os males.
O Parlamento de Lyon protestou e conseguiu que na sua cidade o edital fosse suspendido em  1586. O Parlamento de Ruen também protestou e conseguiu que não se aplicasse na sua cidade, de pois de pagar ao rei a importante quantia de 12.000 escudos.
A guerra civil ocorrida  na França nos últimos anos do século XVI impediu que o edital fosse aplicado e o rei Henrique IV, depois de ter, conseguido pacificar o país, promulgou novos editais arrecadadores (e com impostos mais acessíveis), em 1605 e 1607.

O cavaleiro La Hire no valete de copas do baralho francês


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