terça-feira, 1 de maio de 2012

BARALHOS DE TRANSFORMAÇÃO

O século XIX oferece aos pesquisadores e colecionadores de cartas alguns baralhos a um só tempo atraentes e surpreendentes, nos quais os símbolos dos naipes se integram à ilustração de cada carta de uma maneira tão engenhosa quanto, com frequência, carregada de ironia ou de humor. Trata-se dos chamados "baralhos de transformação", de origem e significados que ainda permanecem pouco claros.
Segundo o professor Detlef Hoffman, é possível que a idéia tenha surgido de uma espécie de entretenimento praticado pelos ingleses no final do século XVIII, que consistia em fazer nas cartas de baralho os mais atrevidos desenhos. Outras teorias sustentam que a origem dos baralhos de transformação está nos desenhos que as crianças faziam nas cartas para divertir-se, ou mesmo em simples exercícios de estilo de alguns desenhistas ou pintores. Seja como for, o fato é que esses baralhos, fabricados tanto na Inglaterra como na Alemanha, na Polônia e nos Estados Unidos, chegaram a alcançar uma qualidade artística e uma criatividade extraordinária. Às vezes, os artistas tomavam certas liberdades ainda maiores, deslocando os símbolos das cartas para melhor adaptá-los a seus desenhos, ou incluindo nelas textos e jogos de palavras. Isso gerou discussões entre especialistas, já que alguns preferem considerar esses produtos como baralhos ilustrados, e não especificamente como baralhos de transformação.
Entre os autores desses curiosos baralhos, podem ser encontrados personagens tão inesperados como John Butler Yeats - pai do célebre peota irlandês William Butler Yeats - ou o escritor inglês William Makepiece Thackeray, autor dos romances Feira das vaidades e Barry Lyndon, entre outros. As 21 cartas transformadas de Thackeray foram publicadas postumamente por sua filha, que as inclui num livro em que reuniu diversos textos inéditos do escritor. Thackeray tinha a intenção de completar a "transformação" de todas as cartas do baralho, mas a morte prematura impediu-o de realizar a tarefa.
O baralho de transformação impresso mais antigo é atribuído ao alemão J. G. Cotta. Esse conjunto de cartas ficou conhecido pelo nome original de Die Spielkarten Almanache (O almanaque do jogo de cartas), pois ele era vendido junto com um calendário e um folheto explicativo. Dedicado a Joana d'Arc, o baralho de Cotta foi impresso em 1804 para ser distrbuído na época do Ano Novo de 1805. O mesmo fabricante produziria posteriormente outros cinco baralhos de transformação.
Os baralhos alemães tinham conteúdo mais sério do que os do grupo conhecido como Metastasis/Transformation Cards, fabricados na Inglaterra entre 1803 e 1812. Essas cartas, que não constituíam um baralho completo, foram desenhadas por John Nixon, considerado por alguns como o inventor das cartas de transformação. Seus desenhos originais foram copiados em repetidas ocasiões e muitos deles aparecem no primeiro baralho de transformação inglês completo, produzido por J. Fuller em 1811.
No caso dos Estados Unidos, o primeiro baralho de transformação, impresso por Charles Bartlett, de Nova York, data de 1833. Posteriormente apareceram o Samuel Hart Transformation Deck, da Samuel Hart & Company of New York and Philadelfia, em 1860, e as Eclipse Comic Playing Cards, de F. H. Lowerre, em 1876. Em 1879, C. E. Carryl desenhou um baralho para a empresa Tiffany's, de Nova York, conhecido como Harlequin Playing Cards. Também são importantes os baralhos de transformação fabricados nos Estados Unidos entre 1895 e 1896 pela United States Playing Card Company, entre os quais se destacam o Hustling Joe, o Hustling Joe II, o Vanity Fair e o Ye Witches' Fortune Cards.
Por essa época, o mundo começava a testemunhar o declínio dos baralhos de transformação, hoje conservados como uma curiosidade do século XIX e como valiosas peças de coleção, já que são muito difíceis de encontrar. Os artistas que no século XX desenharam cartas o fizeram de forma completa, incluídos os símbolos (como acontece com o famoso Tarô de Salvador Dalí). Com isso, pôs-se um fim no desenho sobre a própria carta, que é a base dos baralhos de transformação.

OS MODELOS DO BARALHO ESPANHOL

De acordo com um mesmo padrão (sete ou nove cartas numerais e três figuras características: sota, cavalo e rei) foram fabricados numerosos tipos de baralhos espanhóis seguindo diversos padrões ou modelos. Segundo a classificação proposta por um dos maiores especialistas mundiais em cartas espanholas, Trevor Denning, os sucessivos modelos de cartas espanholas são os detalhados abaixo.



ARCAICO HISPANO-PORTUGUÊS

As cartas do baralho espanhol anteriores à segunda metade do século XVI possuíam diversas características que desapareceram nas cartas espanholas, mas que se mantiveram nas portuguesas: reis sentados, sotas femininas, copas com o hemisfério, e bastões e espadas frequentemente cruzadas em diagonal.


ARCAICO FRANCO-ESPANHOL

A maioria das cartas do século XVI de símbolos espanhóis que se conservam provém de fontes francesas, sendo possível supor que o baralho espanhol se originou na França e dali passou para a Espanha (em realidade, os territórios franceses - Rossellón e Cerdaña - faziam parte nessa época da monarquia hispânica). O baralho franco-espanhol típico constava de 48 cartas, com nove cartas numerais e três figuras (rei, cavalo e sota masculina) em cada naipe. As copas eram cubou ou cilindros com uma pequena base. Com exceção do três de bastões, raramente eram cruzados os signos dos naipes de bastões e espadas. Frequentemente a sota de ouros está virada de costas e olha por cima do ombro.


NACIONAL ESPANHOL

Este modelo deixou de ser utilizado na Espanha em meados do século XIX, mas seguiu sendo utilizado na França, América do Sul e norte de África. Os pés dos reis estão ocultos sob a roupa. Não possuem barba. No naipe de bastões, o cetro do rei está preso numa forquilha, o do cavalo é representado por este animal e o da sota é ligeiramente cônico. As copas são cúbicas, com linhas retas. O cavaleiro de ouros está de perfil, não de costas.
A partir do século XVIII é comum a inscrição AHI VA (escrita de variadas formas) aos pés do cavalo de copas. O ás de ouros costuma ser uma moeda grande com uma fita em cima e embaixo.


CÁDIZ

Este modelo foi utilizado sobretudo pelos fabricantes que se instalaram na zona de Cádiz para abastecer os países da América do Sul.
As copas são similares às do nacional espanhol. Os reis e os cavaleiros possuem bigode. As vestimentas dos reis não chegam a cobrir os pés. Cavaleiros e sotas usam calças de montar, às vezes acolchoadas, e blusões até a cintura. A maioria levam ombreiras volumosas. A expressão AHI VA aparece no cavalo de copas. O desenho de ouros é muito detalhado. O ás de ouro é uma moeda coberta com uma coroa com fitas e rodeada com ramas de palma e oliveira.


PARISIENSE

É uma versão do modelo nacional espanhol destinada ao mercado francês, como demonstram os cavaleiros, que se convertem em amazonas, ainda que esta característica não se mantenha sempre. Em algumas versões os reis têm barba e usam túnicas curtas que deixam à vista suas pernas. Algumas vezes aparece um cachorro na sota de ouros.


ROXAS/SARDO

A primeira versão deste modelo é a que foi criada por José Martínez de Castro e publicada por Clemente Roxas (Madri, 1810 e 1812). Versões posteriores, simplificadas, aparecem em Barcelona. Adotado na Cerdenha, é, atualmente, o modelo local utilizado. O rei de ouros sustenta um grande ouro e está de pé sobre uma mesa coberta com uma toalha. Todas as figuras das espadas levam armadura e todas as sotas têm chapéus com penas. Os ases de espadas e bastões estão sustentados por anjos. As cartas quatro (4) levam diferentes charges no centro.


MACIÀ

Este modelo da primeira metade do século XIX é associado à família Macià, mas foi copiado por outros fabricantes, alguns italianos. As copas parecem urnas com tampa. Os reis têm as pernas totalmente descobertas e usam capas que lhes caem pelos ombros sobre blusas folgadas; os de espadas e copas levam coroas de louros. O cavalo de copas olha em direção à direita, enquanto que o de espadas olha para a esquerda (a direção destas cartas se inverte em algumas ocasiões). O ás de ouros é uma moeda coroada emoldurada por bandeiras.


GARCIA

Os reis mostram os tornozelos e os pés. O rei de copas não tem cetro, mas sustenta o símbolo do naipe. O cavalo de ouros olha em direção à direita; o de bastões tem a cabeça girada para olhar para trás. As sotas levam meias e vestes de montaria; a de bastões às vezes usa calça. As sotas de copas e ouros usam blusas com cinturão e saias soltas. As copas são hemisféricas. O ás de ouros é um escudo rodeado por uma coroa de louros e enfeitado com fitas.


CATALÃO MODERNO

As canelas dos reis são visíveis sob suas vestimentas. Todas as figuras, geralmente, mas não invariavelmente, estão rasuradas, com suaves expressões joviais; as de bastões parecem levar uniforme. As copas são como recipientes de ovos. O quatro de copas (também pode ser outra carta) leva o escudo de Catalunha ou outro símbolo regional. O ás de ouros é uma moeda coroada e com bandeiras, colocada sobre uma plataforma decorada com símbolos mercantis.


CASTELHANO

Este modelo, que é o mais popular atualmente na Espanha, foi criado pela indústria de cartas Fournier de Vitória em 1889, e foi copiado por numerosos fabricantes de cartas espanhóis e de outros países. Todos os reis têm barba e levam ou empunham espadas, mas nenhum tem cetro; o de bastões está de perfil e suas roupas são luxuosas e muito decoradas. Os cavalos não estão levantados e os quatro levam mantas decoradas cobrindo-os; o cavaleiro de bastões não usa estribos. As copas estão mais decoradas que as do modelo catalão. O ás de ouros inclui um retrato de perfil numa moeda de ouro rodeada por bandeiras, palmas, ramas de oliveira e outros motivos ornamentais.



domingo, 8 de abril de 2012

A HISTÓRIA DA ESPANHA DO SÉCULO XIX NAS CARTAS

Desde o final da Reconquista (1492) até a guerra da Independência (1808) a maioria das batalhas que os espanhóis lideraram aconteceram fora da península (conquista da América, guerras de Flandes e contra os turcos, etc.). Assim, apesar de alguns episódios bélicos notáveis (guerra das comunidades em Castilha, insurreição na Catalunha durante a guerra dos Trinta Anos, separação de Portugal, guerra da separação espanhola) que tiveram como cenário o território peninsular, a Espanha viveu um longo período de relativa calma durante três séculos, principalmente comparando-se com os anteriores (Reconquista) e os seguintes, em especial até o fim da guerra civil espanhola.
O século XIX foi uma época de grande agitação e numerosas mudanças sociais e econômicas para a sociedade espanhola: a invasão de Napoleão, as guerras civis carlistas, os regimes absolutistas, o triênio liberal, a Primeira República, o breve reinado de Amadeo de Saboya, a perda do império colonial americano, etc. Todos estes avatares foram recolhidos em diversos baralhos que refletem os sentimentos dos espanhóis diante deles, já que à Espanha haviam chegado também as idéias da Ilustração, assim como os baralhos instrutivos europeus.
A invasão napoleônica com que se inicia o século foi registrada num baralho editado pelo impressor Juan León (Madrid, 1811), que mostra o seu respeito por Napoleão e seu irmão José I Bonaparte, instalado no trono espanhol. O naipe de paus esta dedicado a engrandecer a figura do imperador, que é mostrado em diversas ações destinadas a destacar sua glória (a cavalo, tremulando a bandeira francesa, cruzando uma ponte, etc.); os outros naipes representam personagens e tipos exóticos, em homenagem ao poder universal do imperador francês.
Ainda que atualmente não surpreenda um baralho espanhol desse tipo, é possível supor que o fato de que fossem símbolos franceses devia-se que seu fim não era o povo espanhol, mas a corte francesa deste rei imposto, pois os espanhóis se encontravam imersos numa dupla luta. Por um lado, estavam em guerra contra o invasor; por outra, tentavam se organizar para superar o absolutismo como forma de governo. Em Cádiz reuniram-se cortes consituintes como representantes do sentimento do povo espanhol e redigiram uma Constituição liberal que, por ter sido promulgada a 19 de março de 1812 tornou-se conhecida como a Pepa. Quando Fernando VII voltou a Espanha, ao final da guerra da  Independência (1814), a derrubou, no entanto, pouco mais tarde, no chamado triênio liberal (1820-1822), teve que aceita-la. Em 1822 foram editadas umas cartas cuja missão era divulgar a Constituição ao povo espanhol.
Este baralho, editado em Barcelona, possuía uma dedicatória explícita: "Baralho constitucional, político e militar: seguindo a ordem dos quatro naipes antigos envolvendo a seguinte variação: por Ouros, a Constituição, dirigido ao poder legislativo; por Copas, a Força, dirigido aos corpos nacionais do exército e à milícia; por Espadas, a Justiça, dirigido ao poder executivo; por Bastões, a União, dirigido à nação espanhola. Inventado por Simon Ardit e Quer, segundo sargento do 4º Batalhão M.V.L. Dedicado à Junta de Comércio de Barcelona". As cartas deste baralho contêm numerosos símbolos, além de alguns artigos da Constituição. Nas figuras, os reis foram substituídos por leões, enquanto que os cavalos e as sotas mostram os retratos dos heróis da independência (Lacy, Quiroga, Daoíz, Velarde, Arco Agüero, Riego, Porlier e López Banõs) frente ao de Napoleão e o triunfo constitucional frente à Fernando VII.
Outros baralhos mostram menos respeito pelos pais da pátria numa edição posterior: um deles, de 1869, se dedica à situação que se gerou após a revolução de 1868 e à perda do trono de Isabel II; outro, de 1873, celebra a chegada da República, e o último, de 1874, foi editado depois do golpe do general Pávia. Tratam-se de baralhos nos quais lateja o fervor patriótico, mas onde aparece uma grande desconfiança com relação aos políticos, que são satirizados com dureza.



AS CARTAS ESPANHOLAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Dois fatos destacam-se na história das cartas na segunda metade do século XIX: a aparição das duas ramas de fabricantes de sobrenome Fournier e a fixação de um estilo espanhol de cartas, que na atualidade é conhecido como "modelo castelhano". Bráulio e Heraclio Fournier eram netos de Francisco Fournier. Francisco saiu de sua cidade natal, Limoges, na França, e mudou-se a Burgos, onde se fixou e iniciou um próspero negócio de impressão. Desde 1860 e durante oito anos, os dois irmãos fabricavam cartas com o nome de Hermanos Fournier, até que, em 1868, Heraclio se mudou para Vitória e iniciou a edição de cartas com seu próprio nome, enquanto Bráulio continuava com seu trabalho em Burgos. As duas fábricas seguiram fabricando cartas até os dias de hoje (Naipes Fournier, em Vitória, e Hija de Bráulio Fournier, em Burnos). O primeiro baralho criado por Heraclio Fournier em 1868, após sua chegada a Vitória e quando tinha dezenove anos, acabou sendo premiado na Exposição de Paris do mesmo ano.
Alguns anos mais tarde, por volta de 1877, Heraclio Fournier iniciou -junto ao professor de arte Emilio Soubrier e um aprendiz de pintor chamado Ignacio Dias de Olano - uma série de desenhos de cartas, com o objetivo de criar uma que se convertesse no protótipo da carta espanhola. Seu interesse se centrava na eliminação do que a seu critério era um excesso de barroquismo que afetava as figuras.
A revisão dos desenhos realizada por Augusto Rius, em 1889, deu lugar ao protótipo do modelo espanhol de cartas representado atualmente pelo conhecido e clássico baralho nº 1 de Naipes Fournier. O êxito destas cartas foi demonstrado pela grande quantidade de imitações que surgiram com o tempo.


CARTAS COMAS E A HISPANO AMERICANA


Outras duas fábricas de cartas, Comas e Roura, destacaram-se na segunda metade do século XIX.
A primeira delas, pertencente à família Comas, de Barcelona, iniciou sua produção de cartas a finais do século XVIII (1797) e segue em funcionamento até hoje, sendo a indústria de cartas ativa mais antiga da Europa. No período compreendido entre 1845 e 1892, a fábrica de cartas Comas teve um grande impulso industrial que a converteu numa das grandes fabricantes de cartas, tanto para o consumo como para a exportação ultramarina. Por sua parte, Juan Roura Presas fundou em Barcelona a fábrica de cartas Hispano Americana, que seu filho e seu neto continuariam até seu fechamento em 1969, data em que se transpassaram os jogos e as marcas a Heraclio Fournier de Vitória. A Hispano Americana dedicou-se à fabricação de cartas para o mercado espanhol e de ultramar (Cuba, Porto Rico, Argentina, Filipinas); para este último se criaram marcas específicas, como por exemplo La Loba, exclusiva para a exportação a Filipinas.
A segunda metade do século XIX também significou o desaparecimento da tradicional oficina artesã de fabricação de cartas e a criação de indústrias modernas, com fábrica mecanizadas, movidas a vapor, inicialmente, e, depois, a eletricidade. Assim, fabricantes de cartas como Alejo Gabarró, Wenceslao Guarro e Torras e Lleó se uniram, com o fim de melhorar sua produção, com o nome de Fabricantes de Cartas Espanholas. Comercializaram várias marcas de cartas, entre as que se encontrava a popular El Tigre.



AS CARTAS ESPANHOLAS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Durante o século XIX vai-se generalizando, progressivamente, o uso das pintas para demonstrar o naipe da carta, que já aparecem em algumas cartas espanholas do século XVI. O mesmo sucede com a utilização dos índices nos cantos das cartas para assinalar o valor da carta, que havia começado a se usar em baralhos dos últimos anos do século anterior.
Ambos símbolos têm o objetivo de facilitar o reconhecimento do naipe aos jogadores e dificultá-los aos espiões, impedindo assim que estes pudessem transmitir essa informação a outros jogadores. Tanto as pintas como os índices ficaram totalmente fixados como parte das cartas espanholas ao longo do século, de maneira que somente as cartas de fantasia não os usavam. É bom recordar que nos baralhos de símbolos franceses não são usados, de maneira geral, até a segunda metade do século XIX.
Sobre os índices, destaca-se o fato de que em todos os baralhos espanhóis as figuras são numeradas com os mesmos índices: sota, 10; cavalo, 11; rei, 12. isto explica que nos baralhos com 40 cartas apareça um salto na sua numeração, passando do 7, no sete, ao 10, na sota.
Outro fato importante para os fabricantes espanhóis de cartas é a Independência do México (1811) e da maioria dos territórios americanos, o que desencadeou o final do monopólio exportador da fábrica de Macharaviaya e a aparição de um importante centro naipero em Cádiz, dedicado especialmente à produção de cartas com destino aos países americanos. Pode-se destacar que os fabricantes de cartas de Cádiz desenvolveram um estilo próprio no desenho das cartas, perpetuado por outros fabricantes de cartas espanhóis como Roura, Comas ou Fournier, por exemplo, em especial para suas exportações à América.
Em 1810, o fabricante de cartas Clemente Roxas, editou um baralho notável, gravado por José Martínez de Castro, que estava excepcionalmente trabalhado com riqueza de detalhes nos cenários de fundo das figuras, ilustrações nos quatros de cada naipe e detalhes como anjos sustentando os ases de espadas e bastões. Este baralho foi reeditado por Fournier para comemorar o sexto centenário (1377-1977) das cartas em Europa. Em 1812, imprimiu-se uma nova edição deste baralho, com os desenhos ligeiramente retocados, já que os anteriores haviam sido considerados pouco discretos para a moralidade da época, particularmente as figuras dos amantes desnudos que se abraçam no quatro de ouros. Estes desenhos foram copiados em meados do século por outros fabricantes de cartas (Manuel Bertchinger e Sebastián Comas, entre outros) e adotados na Cerdenã como seu estilo regional. Ainda são fabricados, apesar de terem suprimido as pintas (conservadas durante muitos anos), sendo modificado o ás de ouros para adaptá-lo ao costume italiano.
No segundo decênio do século XIX, destacava-se um baralho constitucionalista, cujo fim era o de interpretar os princípios e as conquistas da Constituição de Cádiz de 1812. Outro fato notável é a fixação no período de 1830-1850 do modelo catalão das cartas, que acabou se mantendo praticamente sem variações até finais do século XX, ainda que a área de uso das cartas com esse desenho tornou-se cada vez mais restrita. Por outro lado, convém destacar que este modelo de cartas não tem nada que ver com as cartas "catalãs" produzidas na França.



REVOLUÇÃO E IMPÉRIO FRANCESES NAS CARTAS

O triunfo da ilustração produziu um anseio de saber que se propagou por todas as classes sociais. Este fato se refletiu na edição de numerosos baralhos educativos no último terço do século XVIII, tanto na França como em outros países europeus aos que chegavam a influência da ilustração. Foram editadas cartas geográficas, da história de Roma, da monarquia francesa e européias, da fauna, alfabéticas, literárias, etc.
A história contemporânea, especialmente a dos difíceis e decisivos anos da Revolução Francesa e o posterior Império de Napoleão, não podia permanecer alheia à febre dos baralhos didáticos.
O primeiro dos baralhos "revolucionários" pretende ilustrar as idéias sobre as que se apoia a Revolução. É o chamado baralho dos filósofos, realizado por Gayant (1793). Neste baralho aparecem filósofos no lugar de reis: virtudes em lugar de damas, como a prudência, a justiça, a moderação e a força; e, finalmente, soldados revolucionários ocupam o lugar dos valetes.
Outro baralho do ano de 1793 foi criado pelo conde de Saint-Simon, nesta época presidente da Comuna de Paris, com o propósito de ensinar ao povo os princípios da Revolução; por isso, nas doze cartas das figuras aparecem representados os atributos da Revolução, repartidos em três grupos (os nomes em letra correspondem aos nomes das cartas, segundo o costume de "batizar" as figuras do baralho francês): gênios (dos comércio, riqueza, paz, prosperidade, guerra, força, artes, gosto), liberdades (dos matrimônio, pudor, profissões, indústria, imprensa, luz, cultos, fraternidade) e igualdades (de cores, valor, categoria, poder, direitos, justiça, deveres, segurança).
Os baralhos editados após a coroação de Napoleão como imperador já não ilustram as idéias, mas as ações. O mais famoso baralho imperial é o das bandeiras (impresso em 1814, na decadência do Império, talvez para lembrar glórias passadas e melhor os ânimos), que consiste de 32 cartas (baralho de belote) distribuídas em quatro naipes, cada um deles em representação de um dos grandes exércitos europeus: francês, inglês, russo e alemão. Em todas as cartas aparecem soldados em ação que içam uma bandeira, na qual aparecem os símbolos da carta de acordo com os do baralho francês. As cartas estão impressas em preto e pintadas à mão.
Por volta de 1815, depois da queda de Napoleão, apareceu o baralho das batalhas do Primeiro Império, que recolhe 32 episódios gloriosos da história napoleônica. São cartas com grande formato; no canto superior esquerdo aparecem os símbolos da carta; nos terços superiores, um grande círculo, que cobre parte dos símbolos no canto da carta, no qual se ilustra um episódio ou uma batalha, com indicação do lugar e a data; as entradas do Imperador em Estraburg, Milão, Munique, etc; as batalhas das pirâmides, da ponte de Arcole, de Wagram, de Jena, etc (não tem nenhuma carta dedicada à Espanha); finalmente na parte baixa da carta aparecem 64 bustos (2 por carta) de mariscais e colaboradores de Napoleão. (Os baralhos napoleônicos não são somente próprios dessa época, já que por exemplo, em 1978 foi impresso um baralho de tarô na Itália no qual os arcanos e as figuras dos naipes foram substituídos por personagens e símbolos napoleônicos; obviamente, o IV é Napoleão, o imperador).
Por outro lado, em Tubinga, Alemanha, se editou em 1815 um baralho antinapoleônico, chamado "os exércitos aliados", que continha 52 cartas pintadas a mão. Os "reis" são quatro generais chefes de seus respectivos exércitos inimigos do imperador: o inglês Wellington, o prussiano Blücher, o austríaco Schwartzemburg e o russo Kutusoff; as "damas" são figuras alegóricas de triunfos e os "valetes", soldados dos quatro exércitos. As demais cartas mostram várias cenas religiosas, mitológicas, históricas e de gênero, no estilo dos baralhos de transformação; os símbolos das cartas aparecem impressos em preto ou vermelho sobre a ilustração.



AS CARTAS NO SÉCULO XVIII

FRANÇA

Na França, o efeito que os impostos produziram sobre as cartas foi a emigração dos fabricantes de cartas aos países vizinhos que os tentavam evitar. Sendo assim, no século XVII foram suprimidos os impostos para voltarem a ser introduzidos em 1701, após a expulsão dos hugonotes. Estabeleceram-se na França nove regiões (Paris, Borgonha, Lionesa, Auvernia, Delfinado, Provença, Languedoc, Guyena e Limosina) para a cobrança dos impostos sobre as cartas (seguindo a tradição administrativa francesa; assim haviam seis regiões para a cobrança dos impostos sobre o sal), e em cada uma destas regiões foi criado um modelo especial de cartas francesas, elaborado a partir do modelo geral. Os fabricantes de cada uma destas regiões foram convocados a fazer unicamente cartas segundo seu modelo regional. As nove regiões que impunham as regras naiperas (de fabricação da cartas) se mantiveram até que foram suprimidas pelos Estados Gerais revolucionários na década final do século XVIII. Nesta época o modelo de Paris se havia imposto sobre os outros e se converteu no estandarte do baralho francês. Entretanto, o imposto foi suprimido em 1719 e voltou-se a  introduzi-lo em 1751, para financiar a Real Escola Militar fundada por Luís XV. Em 1791, foi substituído por uma taxa alfandegária para os baralhos de importação.


ALEMANHA


No século XVIII e seguindo  sua própria  tradição, os fabricantes alemães continuaram fabricando baralhos com seus rebuscados desenhos, embora também tivessem começado a  elaborá-los com símbolos franceses para contrapor a importação dos baralhos franceses.
Por volta da metade daquele século, os fabricantes alemães começaram a fabricar os chamados tarôs animais, nos quais as cartas de trunfo tinham figuras estranhas de animais, muitos deles imaginários, que substituíram às figuras dos clássicos arcanos. Outro notável tarô é o musical de finais de século, fabricado por P.F. Ulrich de Munique, nos qual as figuras são personagens da ópera e os trunfos têm partituras de fragmentos de ópera no lugar de desenhos.
Assim mesmo, na Alemanha continuou-se com os baralhos educativos, entre os que se destacam um de astronomia, de 1719, e um bíblico cujos naipes estão representados por flores de quatro cores (amarelo, vermelho, azul e verde), que apareceram indicados num canto, enquanto que o índice aparece em outro, já que a cara da carta está ocupada pela representação de uma cena do Antigo Testamento e com um breve texto explicativo (umas quatro linhas).


INGLATERRA


Com a criação da Worshipful Company para  proteger os fabricantes ingleses da importação das cartas, o rei não quis ver perdidas as elevadas quantias que recebia pelos direitos de importação dos baralhos estrangeiros, e resolveu então estabelecer um imposto sobre a fabricação de cartas, que inicialmente foi de 2 chelines por grosa (doze dúzias) e passado um século já era de 2 chelines e 6 peniques por baralho. Para identificar os fabricantes e controlar o pagamento de seus impostos, estabeleceu0se que cada um deles devia incluir nos baralhos algum tipo de estampa própria. Este decreto supôs o início das marcas comerciais dos baralhos. Os mais importantes do século foram The Great Mogul, King Henry VII, Valiant Highlander e The Merry Andrew, cujas cartas eram conhecidas como moguls, harrys, highlanders e andrews, respectivamente. Posteriormente estabeleceu-se que uma das cartas (qualquer no início e, posteriormente, o ás de espadas) deveria levar o selo correspondente ao pagamento do imposto.
Em 1709 o parlamento proibiu o jogo. O projeto de lei inicial incluía a proibição do uso dos baralhos nos pubs, ainda que a pressão da Worshipful Company conseguiu eliminar esta  proibição.
Na tradição dos baralhos educativos e históricos, a partir de 1770, apareceram os baralhos Bubble, com ilustrações cujos personagens falavam por meio de balões similares aos das histórias em quadrinhos atuais.


NOVA INGLATERRA


Enquanto na Espanha se estabelecia a fábrica de Macharaviaya para prover de cartas o México e a América do Sul, as indústrias de cartas expandiram-se pela América do Norte. Jazaniah Ford (nascido em 1757) foi o primeiro fabricante de cartas nascido nas colônias que mais tarde se converteram no atual Estados Unidos. Outro fabricante norte-americano, Amos Whitney, ofereceu por volta de 1799 columbias, harrys e andrews. Columbias era o nome americano das moguls inglesas. Também são conhecidos pelos anúncios na imprensa, já que não se conservaram seus baralhos, Ryves e Ashmead, fabricantes de cartas super finas (de acordo com seu anúncio), e James Y. Humphries, que além das suas cartas americanas também vendia baralhos ingleses. Durante muito tempo, venderam-se na América do Norte baralhos "ingleses" que não haviam cruzado o Atlântico, mas respondiam à demanda do público; muitos desses baralhos eram simplesmente baralhos americanos com a palavra London escrita nas cartas.